segunda-feira, 25 de março de 2013

[Fodastico!] A Vila

Para a maioria, M. Night Shyamalan é um cineasta que só caiu desde Sinais - e, para esses, toda e qualquer obra que veio depois disso é um lixo descartável. Eu, como "docontrista" de carteirinha, tenho que fazer meu papel de advogado do diabo: defender um filme atacado até mesmo pelos fãs do diretor.

(o texto contém spoilers)

Pois é evidente insegurança do diretor nos seus primeiros trabalhos; seja no medíocre O Sexto Sentido, onde vacila em seus trabalhos na direção (no final ele estava tão inseguro que precisou embutir um monte de flashbacks que, além de serem extremamente repetitivos, subestimam a inteligência do espectador) ou no bom Corpo Fechado, onde seu vacilo é no desenvolvimento da história (ai ele já dominava primorosamente a câmera), Shya não passava de um cara overrated pra mim. Mas, fazer o que? O grande público gosta deste tipo de coisa, e foram confiantes nos trabalhos seguintes dele que não haveria nenhuma mudança. 

Mas seus filmes foram passando, o artista foi crescendo nos dois sentidos (roteirista e diretor), cada vez mais definindo sua visão e proposta cinematográfica, amadurecendo seus temas e sua execução. A Vila, um dos melhores trabalhos dos anos 2000 - e um dos melhores suspenses dos últimos sei lá quantos anos -, é o ápice disso (e é uma pena que não seja reconhecido). 

A história se passa em 1897 numa vila parece ser o local ideal para viver: tranquila, isolada e com os moradores vivendo em harmonia. Porém este local perfeito passa por mudanças quando os habitantes descobrem que o bosque que o cerca esconde uma raça de misteriosas e perigosas criaturas, por eles chamados de "Aquelas de Quem Não Falamos". O medo de ser a próxima vítima destas criaturas faz com que nenhum habitante da vila se arrisque a entrar no bosque. Apesar dos constantes avisos de Edward Walker (William Hurt), o líder local, e de sua mãe (Sigourney Weaver), o jovem Lucius Hunt (Joaquin Phoenix) tem um grande desejo de ultrapassar os limites da vida rumo ao desconhecido.
Ao contrário do que muitos dizem, Shyamalan não é "o novo Hitchcock"; esse termo é uma afronta aos dois. Ele tem influências, óbvio (a troca de personagens no meio da história, uso de cores em prol do roteiro), mas sua construção está longe de ser hitchcockiana - é mais atmosférica, subjetiva. Em A Vila o diretor não apela mais para os mesmos recursos pobres de O Sexto Sentido, e faz algo muito mais sutil, onde o medo está nos mínimos detalhes, através de seus próprios personagens - é algo mais psíquico. Pois o cinema de Shyamalan foi sempre de sentidos (sem trocadilhos) e através de suas antíteses ele fez algo sobre nossos sentimentos. 
Inúmeras alegorias já foram interpretadas (até mesmo uma de pós 11/9), mas A Vila é mesmo um filme sobre nossos sentimentos - o próprios diretor o define como um filme de amor. Mas vai além, diria. Todo o brilhante trabalho de produção reflete nisso, sendo que os figurinos, a fotografia (putaquepariu, que genial essa), maquiagem (etc), fazem um jogo de cores genial, conseguindo arrancar nossos sentimentos (a predominância do amarelo simboliza o medo, principal fator aqui). É através do medo que podemos entender tudo que se passa na mente desse jovem arrogante (no bom sentido) indiano.
A sociedade que nos é retratada é dominada pela fé - e através do medo que as pessoas são dominadas. Mas, ora, não é isso que acontece na nossa sociedade? A religião deixa as pessoas vulneráveis e com medo para controla-las (além: atrasa-las!); é a própria religião que proíbe os prazeres, o amor sincero e os sentimentos fortes (e não são esses sentimentos representados pelo vermelho - a cor proibida na vila?). 
O brilhante trabalho de montagem vai além: o primeiro plost-twist (já marca no diretor) nos mostra que os monstros são ilusão. Logo depois acontece uma cena onde a protagonista foge de um monstro - mesmo sabendo que é uma farsa. Mais simbólico ainda: ela é cega. Como disse, é um trabalho dos sentidos, dos nossos sentimentos escondidos, não racionalizados. A fé aqui surge como algo irracional, intrínseco no ser humano, que sempre trazem nossos maiores medos e desejos a tona - são os nossos monstros postos com perfeição na tela.  
Ao final, A Vila faz com que nos importemos e torçamos para os personagens, revelando-se um trabalho mais sensível (apesar de extremamente crítico, bem como exemplifiquei acima) do que podemos imaginar vindo de um diretor de suspense. Aqui o diretor está livre para colocar a sua própria filosofia (e podemos perceber que tem claros ecos do Mito da Caverna, de Platão); até mesmo brinca com seu próprio cinema (pois há uma segunda reviravolta chave, que constrói e desconstrói nossas expectativas, mostrando como ele pode dominar perfeitamente o que pensamos). 

Sobre a reviravolta final, Shyamalan nos mostra que apesar de manter a necessária pureza no mundo, há o principal território onde a fé jamais conseguirá pisar: a (dura) realidade. 

NOTA:




10 Jokers!


Trailer:

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