segunda-feira, 29 de abril de 2013

[Crítica] Laranja Mecânica

A tela está laranja. Uma estranha música começa a tocar. O nome de Stanley Kubrick aparece destacado. De repente, o rosto de um jovem aparece. Ele olha para câmera. Mas há algo de estranho nesse olhar - é penetrante e, de alguma forma, estranhamente sincero. Um lado é preenchido por cílios falsos, com o olho atento e maldoso; o outro é vazio, quase fantasmagórico. Apenas com esse head shot (um dos mais geniais da história do cinema) já sabemos que existe uma dualidade no personagem - dualidade esta que atravessa todo o filme. 

Claro, isso não é nenhuma novidade em um filme de Stanley Kubrick. A ironia permeia sua filmografia inteira (tal como em Dr. Fantástico, sendo a cena final o universo acabando por causa da guerra nuclear enquanto toca no fundo "We'll Meet Again") e o diretor sempre usou o cinismo para esfregar verdades na nossa cara. Mas Laranja Mecânica talvez seja o filme-síntese de sua filmografia (não o melhor - este eu diria que por pouco é 2001), sendo uma combinação perfeita desse seu espírito negro e cruel com seu trabalho atmosférico. 

Em uma desolada Inglaterra do futuro, a violência das gangues juvenis impera, provocando um clima de terror.Alex (Malcolm McDowell) lidera uma das gangues e, após praticar vários crimes, é preso e submetido à reeducação pelo Estado, com base em uma técnica de reflexos condicionados.

Laranja Mecânica é dividido em duas partes; a primeira, do caos, da violência, da maldade e dos jovens. A segunda é a do controle, das regras, das divisões. Se na primeira parte Alex era o líder do caos, na segunda é obrigado a ter que adequar-se ao mundo certo. 
Enquanto livre, a violência e a sexualidade eram pulsantes (há algo estranho no tamanho de símbolos fálicos inseridos por Kubrick - mais simbólica do que a cena de Alex batendo em uma mulher com uma escultura de um pênis gigante não há), sua dualidade era notável - enquanto tinha uma cobra guardava em sua gaveta ouvia também Beethoven. Porém, depois que é preso, lida com um guarda com o bigode de Hitler, um padre fanático (porém, secretamente homossexual) e um político que "só quer ser seu amigo"; ele precisa lidar com um sistema que quer acabar com seu lado humano, transformando-o apenas num robô, sem alma, sem sentimentos - apenas o da dor (e a interpretação espetacular de Malcolm McDowell ajuda a criar uma complexidade para não transformá-lo em um ser unidimensional)
Kubrick, porém, não quer que notemos tudo isso apenas racionalmente, explorado uma atmosfera perturbadora e hipnotizante (tal como em outros de seus trabalhos, como 2001, O Iluminado e De Olhos Bem Fechados), com a trilha sonora martelando de forma incomoda, as insinuação, elipses, o trabalho com a câmera (o perfeccionismo de Kubrick não é pra qualquer coisa - nos sentimos, de fato, na pele de Alex). 

No inicio, os contra-plongees eram feitos em Alex, e os plongees em suas vítimas; depois, porém, quando ele vira um fraco (preso pela gravata e o terno que usa), a sociedade o domina e ele só é enquadrado com os plongees; os close-up's são caóticos, os rostos das pessoas se vingando quase parecem com o macaco descobrindo a arma em 2001 e o mundo civilizado e polido cai diante de nossos olhos para percebemos que Kubrick pintou um espelho da nossa sociedade, com seus valores revanchistas e hipócritas (e as alfinetadas na mídia, na política, na religião e na burguesia estão distribuídas de forma satírica, propositalmente caricata, um exagero da realidade - e isso que é o Cinema, afinal). 
Percebemos, então, que a ultraviolência era uma reação radical à opressão que os jovens passavam, fruto de um grito contra uma geração já castrada; o mundo da ordem e do controle logo se torna tão primitivo e animalesco quanto o que temia.

Laranja Mecânica é a sociedade desnudada na nossa frente, com a verdade sendo cuspida de forma visceral e opressora na nossa cara, a ponto de não podermos negar: o Inferno é aqui, na Terra.

NOTA:




10 Jokers!

Essa crítica está sendo publicada porque o CineSESC irá reexibir o filme durante essa semana. NÃO PERCA TEMPO E VÁ CURTI-LA NA GRANDE TELA - VALE MUITO!!

Trailer:

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