quinta-feira, 7 de março de 2013

[Crítica] As Aventuras de Pi


Para o cinema, o ano de 2012 foi pouco movimentado - principalmente o norte-americano. Todas as super produções chegaram a desapontar, pelo menos um pouco. As Aventuras de Pi, principalmente por chegar na prorrogação desse ano, detinha pouca atenção. Ao sair da sessão, não há como não ficar impressionado, encantado e pensativo.

Pi Patel (Suraj Sharma) é filho do dono de um zoológico localizado em Pondicherry, na Índia. Após anos cuidando do negócio, a família decide vender o empreendimento devido à retirada do incentivo dado pela prefeitura local. A ideia é se mudar para o Canadá, onde poderiam vender os animais para reiniciar a vida. Entretanto, o cargueiro onde todos viajam acaba naufragando devido a uma terrível tempestade. Pi consegue sobreviver em um bote salva-vidas, mas precisa dividir o pouco espaço disponível com uma zebra, um orangotango, uma hiena e um tigre de bengala chamado Richard Parker.

A premissa, por mais simples que pareça (e que, de fato, caia em alguns clichês), é apenas uma máscara para algo maior, mais grandioso. Tudo nesse filme funciona com exímia perfeição, sendo até difícil destacar algo melhor.

Com um primeiro ato muito bem posicionado, servindo para apresentar de forma bem clara a essência de cada personagem, As Aventuras de Pi se mostra detalhado em todos os momentos. Talvez seu maior mérito seja, mesmo que lotado de simbolismos religiosos, equilibrar de forma esplêndida crenças diferentes - portanto, seja você hindu ou ateu, poderá entender e compreender esse filme de sua própria forma. A maior prova disso é o protagonista, louco para encontrar um sentido em sua vida (assim como todo ser humano), que procura todas as religiões de uma só vez (encontrou Cristo, Buda e Alá). Porém, seu pai (que mesmo aparecendo apenas no começo, continua com forte presença até o final) representa o pensamento lógico/científico (e o protagonista muitas vezes diz que as lições paternas também foram necessárias). Além de ser ambíguo, também passa uma mensagem não menos interessante que diversas crenças podem sim conviver pacificamente.
E discutir razão com fé é apenas uma das camadas de Pi. O filme vai muito além: a linguagem visual do diretor Ang Lee é impecável e magnífica em todos os sentidos. Contemplando a natureza da forma mais imersiva possível (o 3D aqui é obrigatório pela profundidade) com lindas paisagens galáticas e terrenas, também podemos enxergar uma série de metalinguagens e simbolismos que deixam o espectador curioso para desvendá-los - cada um da sua maneira.
Por exemplo, a grande insistência em sempre focar no reflexo do céu sobre o mar e alinhar os dois, pode significar que o paraíso não precisa ser religioso, mas sim que está na nossa frente: na natureza terrena (científica, até). Ou mesmo que, de fato, as preces de Pi foram atendidas (o céu o responde).

E quanto a floresta carnívora? A imagem de ilha em forma de homem pode significar tanto que este não é páreo para a natureza quanto esta foi consumida por ele. Uma inquestionável riqueza áudio-visual.
Além disso, é bom ver que Ang Lee sabe se controlar, evitando todas as chances que tinha para apelar para o público leigo. E isso pode ser visto que em nenhum momento a relação do Tigre e de Pi (sem dúvidas a chave da história) cai no sentimentaloide, sendo que na verdade é fria: o próprio garoto disse a despedida foi sem cerimônias.

Também vale destacar que não há propaganda religiosa (por mais que alguns preguiçosos assim interpretem). Na verdade, o menino em muitos diálogos questiona a lógica da fé de forma inteligentíssima (e as respostas, nem sempre chegam). Um estudo complexo sobre a necessidade humana da fé; Pi, naquela situação de miséria, precisava se agarrar à algo maior, por mais que este nunca o respondesse. Naquela altura, ele nem se importa se era verdade ou não, apenas queria acreditar, queria possuir um significado maior. O desfecho (necessariamente auto-explicativo, já que é um assunto delicadíssimo) mantém tal coerência: duas histórias são impostas - a primeira mais legal de se acreditar, e a segunda mais verossímil. Fica a discussão: qual das duas vale? Por mais que alguns aleguem que é propaganda religiosa, na verdade, a ficção pode muito bem servir como documentário: o ser humano iria para o lado mais fantasioso, pois este é otimista, mais fácil.
Não "só" isso: a denominada "Arca de Pi" consegue questionar o que diferencia o humano do animal. Seria deus ou a lógica? Qual desses vale ser usado? Pi clamava por divindades enquanto lia livros com instruções e registrava seus pensamentos. Ambiguidade rica: que cada um tire sua conclusão.

Nos efeitos especiais, Lee também não vacila. O tigre, criado em computação gráfica, é a criatura mais real já criada (sim, melhor que o Gollum!). Suas expressões são acreditáveis, assim como seus movimentos. Nas atuações o diretor também conseguiu extrair bastante, e destaco Suraj Sharma (Pi), que convence pelo seu sotaque, físico e sempre com expressões de natural desespero.

Refletindo/questionando a religião, fé, natureza, psicologia (repare como o garoto narra que era o tigre), família e amizade, As Aventuras de Pi é uma das melhores obras de arte dos últimos anos, uma grande luz e inegável surpresa (... obra-prima, enfim: chame como quiser). Te leva como poucas vezes o cinema pode levar.

"No final, meu pai tinha razão, mas eu queria acreditar"

NOTA:





10 Jokers!



Trailer:


NOTAS DA EQUIPE:
Gustavo: 10/10
Pedro:    10/10
Vinicius:  10/10
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