quinta-feira, 7 de março de 2013

[Crítica] O Som ao Redor

É impossível para mim, como pessoa, começar essa crítica (para esse filme, especificamente) sem um lado mais pessoal. Tal fato se deve ao escopo de significados e mensagens que essa discreta (por ser desconhecida) obra-prima de Kleber Mendonça Filho aborda - tudo diretamente ligado ao sentimento de nostalgia e o impiedoso sentimento de subaproveitamento da minha infância.

Digo isso porque cresci numa vida "apartamenteira", típica de classe-media. O ambiente conservador, elitista e super-protetor sempre dominou meu cotidiano infantil. Meu escape era a casa de minha avó; seu quintal imenso e a marcenaria do meu avô eram mais do que suficientes para eu brincar (na maioria das vezes com meus primos, senão sozinho) de lutas de sabres de luz, ou mesmo curtir um simples futebol. É nisso que apoia-se O Som ao Redor, traduzindo perfeitamente os sentimentos e os desejos de uma geração e de uma classe social inteira.

A vida numa rua de classe-média na zona sul do Recife toma um rumo inesperado após a chegada de uma milícia que oferece a paz de espírito da segurança particular. A presença desses homens traz tranquilidade para alguns, e tensão para outros, numa comunidade que parece temer muita coisa. Enquanto isso, Bia, casada e mãe de duas crianças, precisa achar uma maneira de lidar com os latidos constantes do cão de seu vizinho.

Contendo um ritmo consideravelmente lento, que vale pelas sutilezas, o longa varia do realista com o poético. A construção daquele universo é impecável, sendo que é através dos sons que as verdadeiras sensações são reveladas. É um grande retrato do cotidiano vazio, com todos os personagens sem rumos ou objetivos, sempre entediados e tristes, se orgulhando por pouco (seja por uma nova TV, ou seus filhos perdendo o tempo aprendendo novas línguas).
Ao mesmo tempo é uma sátira da classe mais indecisa do Brasil: a média; esta, sempre se mantendo alienada e indiferente à desigualdade social e aos problemas dos outros, ainda apoia valores elitistas e conservadores ("os pobres", "os negros", "as bichas" ou "os sem deus no coração"). Isso é visto em vários momentos, tais como o do protagonista largando uma reunião decisiva na carreira de um trabalhador leal na região, apenas para sair com a namorada; ou mesmo uma irritante mulher reclamando que recebeu sua revista VEJA (tinha que ser!) fora do papel (oh!).
Também dispõe-se à falar sobre a desigualdade; a menina tem um sonho onde finalmente se libertaria com a rebelião - quando os renegados acordariam e lutariam por uma sociedade igualitária. A reviravolta final é exatamente isso (dos seguranças com o proprietário): não há como fugir do passado - sempre, na nossa história, os desavantajados se rebelaram contra os favorecidos.
E, se revelando extremamente sensível e poético, O Som ao Redor se torna ainda mais completo quando decide falar da nova vida urbana. Os sons irritantes (os cachorros, os carros), combinados com as grades dos apartamentos e a constante vigia na rua, formam uma verdadeira prisão. O tempo vai passando e os risos infantis da diversão (por exemplo, de jogar futebol na rua) vão sendo engolidos pelos barulhos industriais do cruel mundo capitalista.
Uma das cenas mais sugestivas e bem executadas do filme
Duas cenas extremamente fantasiosas e lindas são compostas através disso: a primeira em que o protagonista está em uma cachoeira de água pura onde, do nada, se torna sangue (o mundo ficou caótico, desumano); a segunda em que um dos moradores olha para sua rua e tem uma visão de como era antigamente (colorida, espaçosa). Nostalgia pura. Uma crítica barulhenta, com uma introspecção silenciosa.

Vivemos numa prisão, chamada Cidade (esta que é dominada pelas mentes cruéis e egoístas do mundo capitalista e corporativo).

Por sua pitada extremamente irônica e ácida, essa obra-prima de Kleber Mendonça poderia muito bem chamar-se "Beleza" Brasileira.

NOTA:

9 Jokers!

Trailer:


NOTAS DA EQUIPE:
Vinicius: 9/10
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